segunda-feira, março 21, 2005

Desvarios em tons pastel

Há dias em que o que apetece mesmo mesmo é explorar um determinado assunto que por uma ou outra razão, não pode ser explorado. Há dias em que o que apetece mesmo mesmo é conseguir perceber porque é que se misturam ovos de chocolate com coroas de espinhos e ramos e uma cruz e um banho de sangue. Mas, lá está, por uma ou outra razão, não posso nem quero explorar esta ressureição de confusões. Até porque Jesus tem vindo a tornar-se um tema cada vez mais delicado e, desconfio, mais selvagem, mais e mais pagão e, sobretudo, menos mártir. O que acontece então, é que me volto, tediocraticamente, para outras divagações. Não menos reflectidas e fascinantes.
Em primeiro lugar, todos os anos por esta altura, percebo, irremediavelmente, que adoro os bebés. Azuis, rosa ou brancos. Adoro-os. Devoro-os. São melhores que cenouras, ervilhas, favas (todas muito pequenas) e que os cântaros (demasiado grandes). Os bebés são do tamanho ideal. Adoro-os. Delicadamente postos na boca (porque são bebés, não é?), deixo-os dissolverem-se com pequenos movimentos giratórios da língua. E, quando já estão muito moles, eis que uma minúscula fenda se abre e então é vê-los drenar o saboroso licor.... Adoro os bebé. Aqueles bonequinhos estúpidos e ovais, com uma touca ridícula e pézinhos estranhos de açúcar. Desconfio que o mito urbano-político do comunista que "come criancinhas ao pequeno almoço" vem de alguma família de leste cujos membros tinham também um fascínio por bebés de licor semelhante ao meu. Depois penso que, se isso for verdade, os bebés seriam antes recheados com vodka e não com licor de banana. Mas não faz mal.
Portanto, depois de achar que tenho uma tendêcia pedófila no que respeita a amêndoas de licor e de achar que estas vêm da rússia e que isso explica muita coisa, penso também que a história do coelhinho da Páscoa não convence ninguém. Vou tentar não entrar outra vez na imagem do banho de sangue e da coroa de espinhos (e, muito menos, na imagem que, de repente me arrancou uma gargalhada - a de ver Jesus vestido de coelhinho... bem...esqueçam e desculpem...). Como eu dizia, a história do coelhinho nunca me convenceu. E falo da história que sempre me contaram e que eu sempre li. Não digo que não gostasse, mas nunca me convenceu. Sim, porque há sempre aquelas coisas que uma pessoa engole a vida toda (ou mais ou menos toda), gostando, mas não ficando muito convencida. Tipo..."podemos continuar amigos" ou "falas bem, mas falta-te qualquer coisa" ou "come cenoura que os olhos ficam bonitos..." ou....já chega.
Portanto, a história, o livro, chama-se "O coelho Madrugada". Pronto, já esta parte adivinha uma coisinha fofa muito azul bebé, muito rosa, muito branquinho (como as amêndoas, que isto está sempre tudo ligado). Resumindo muito, muito, muito (porque a história estende-se até que a criancinha tenha medo, tenha raiva, tenha pena e depois sinta justiça, vingança q.b e, por fim, adormeça feliz, com a moral e isso) é a história de uma mãe coelha que tem quatro coelhinhos, o Veloz ( sim, corre muito rápido....), o Valente (pois, não tem medo de nada), o Sabichão ( sim, o intelectual de esquerda moderada) e, por fim, o desgraçadinho (ou, em dialecto, o filósofo, o poeta, o artista, o génio incompreendido...) - o Madrugada. O Madrugada era permaturo, lento e tinha uma pata tortar, pelo que saltava aos zigue-zagues - tudo o que uma criança precisa para ser feliz e aceite no ciclo, portanto. E pronto, depois ele era muito gozado por todos, mas, como artista e génio que se preze, não ligava e ficava, sonhador, contemplativo, à sombrita de uma árvore. A ver as borboletas e os outros animaizinhos a serem felizes e divertidos. Como já devem ter adivinhado, o Madrugada gostava era de ouvir histórias - as histórias de uma tia velha ( aquela personagem misteriosa e vivida que, normalmente, percebe sempre o animal incompreendido). E a história preferida era a do coelho da Páscoa. Pronto. O sonho do Madrugada era ser o coelho da Páscoa.
O que se segue é, também, previsível. Inverno. Frio. Um coelho velho e estranho aparece. Ninguém lhe dá abrigo ( esta é a parte da raiva/pena). Ninguém menos o Madrugada. O estranho, como estranho típico, desaparece de manhã, deixando o bilhete do costume.
Depois, vem-se a saber que o estranho era o coelho da Páscoa (e todos o rejeitaram!!) e que tinha escolhido para seu sucessor o bom e querido coelho coxinho que lhe dera abrigo na noite da tempestade. E pronto. O Madrugada tornou-se coelho da Páscoa. E a moral é a seguinte (esta é a parte que nunca me convenceu Mesmo) : "o melhor não é o mais rápido, o mais forte ou o mais esperto - o melhor de todos é o mais bondoso". Claro que sim. Acreditei muitíssimo nisto nas aulas de educação física, nos momentos de atritos socio-ideológicos no liceu (em que um estalo ia sempre bem) e, sobretudo, acredito muitíssimo nisto agora, na faculdade. Onde os bonzinhos são muito bem tratados, são acarinhados, são enaltecidos ternamente nos corredores. Bondosos, precisam-se. Aceita-se "bondoso" no curriculum? Penso que não. Mas vale a pena pensar no Madrugada...acho eu. ( ele teve foi muita sorte do coelho estranho da noite da tempestade não ser um coelho mau...).

3 comentários:

Jessica e André disse...

COmo tu tao bem frisaste, essas histórias "em tons pastel" para nos formar o carácter no sentido da justiça, dos valores, das virtudes pessoais... sao uma treta.
o patinho feio, a lebre e a tartaruga, são tudo histórias de terror para nos fazerem crer que o facto de sermos feiinhos, burrinhos, parvinhos, mas muito boas pessoas, vai fazer de nós pessoas plenas e realizadas.
Tretas.
Tretas.
Tretas.

Se fores uma gaja boa, minimamente informada, bem proporcionada, sabida e arguta; bem podes deixar as boas intenções e a militancia ecologica e social em casa. 'Tás safa.

Todos os outros caminhos para o sucesso pessoal são bem mais sinuosos e ingratos.

castor disse...

Quem d'z-que gosta de bebés é o carlos silvino. Consta...

Jessica e André disse...

dx'que sim..