segunda-feira, dezembro 20, 2004

Barbies

Hora de almoço. Telejornal. "Barbies e Nenucos sobrevivem ao longo dos anos e continuam nº 1 nos tops de compras. Psicólogos explicam porquê." A segunda parte não interessa, que me desculpem todos os psicólogos, estudantes de psicologia ou amadores. Mas neste caso é totalmente irrelevante a explicação e quem manda no meu blog sou eu.

As Barbies! Um domingo! Barbies e um domingo! Ah! quando eu era a pequena, a comer os chocolates, sem me preocupar com o horário de funcionamento da tabacaria! As Barbies, meus amigos, juntamente com os lápis de cor, canetas de feltro ( trabalhos banuais, beu!) e os teatros no quarto, foram o centro do meu universo infantil.

A oposição do meu pai resistiu até ao meu 5º aniversário. Sim, eu sei, há que estimular as criancinhas para a criatividade, para a leitura, para a escrita, para as palavras inteligentes (carneiro em vez de mé-mé, piaget em vez de chinelo, etc), mas uma Barbie....é sempre uma Barbie! E pronto, lá estava eu, no Feira Nova, com o meu paizinho, com um ar desesperado, a olhar para todos os lados, aterrado, no meio de tanta flor e missanga cor-de-rosa, repetindo sem cessar "eu sou um mau pai, eu sou um mau pai, a miúda, que até tem potencial, afinal vai ser estúpida...". E foi das decisões mais difíceis da minha vidinha - qual delas? (todas loiras, todas com pentes e malas e saltos altos....). Após longas horas "é esta". Foi aquela! Loira (!), longos cabelos (mais ou menos pela barriga das esbeltas pernas), vestido curto verde alface, rosa e azul turquesa, pente e sapatos a condizer. Franja.

Depois não parou mais (as Barbies são uma droga infantil). E veio a do baile, a ciclista, a do campismo (que era ruiva, uma prima, enfim.), a marés-vivas (com o seu golfinho e a bóia vermelha. ainda me lembro do anúncio "barbie marés vivas, olha pró mar! vê um golfinho em perigo, vai ter de o salvaaaaaaaaaaaar!"), a skipper (a irmã adolescente), a shelly ( a irmãzinha abandonada- que raio de mãe a Barbie terá...), a hippy e a diamante ( e outras, daquelas mais baratas, intituladas genericamente "style" ou "slut").

Depois o companheiro inseparável de sexualidade duvidosa. O sorridente Ken. Com o seu ar lavadinho e os seus abdominais e gémeos fascinantes. Tive o do baile (que acabou por perder a cabeça e a tinta do cabelo), um com cabelo grande ( que também vinha com um irmãozinho pequenino, o Tommy. Estes pais....não percebo...) e o so ski, que era o mais giro e o mais magro.

E os acessórios! (desculpem lá esta extensão, mas isto é fundamental!) A casa (pronto, a casa não era original, era da La redoute. mas tinha sótão e tudo!), que vinha com sofás, mesa, cadeiras, toucador, espelho. O frigorífico (este era original! com luz e tudo!) com os ovinhos e os pacotes de leite...ai ai....e o carro da neve, com porta-bagagens grande, com bancos secretos e cintos de segurança! E o supermercado comprado em Ayamonte - um balcão e uma estante com produtos variados. E o cavalo castanho! E, por fim, a casa-mala. Um T-0, por assim dizer, cheia de gavetinhas secretas, um aquario, uma lareira, um candeeiro com luz a sério (como o frigorífico) e com a vantagem fenomenal de não ser preciso arrumar nada, era só fechar!

E tudo isto suscitava longas horas de criatividade (por esta altura o meu pai ficou ligeiramente mais descansado....digo eu...). Fiz sofás com cascas de côco, livros de escola (com perguntas e tudo), vestidos manhosos com meias e trapos (eram uma freaks, as minhas Barbies....), quadros,penteados,histórias, biografias, dramas, êxtases, invejas, traições, carreiras....um universo de telenovelas daquelas que a tvi adoraria alguma vez vir a criar.

Depois acabou. Mais ou menos como começou. A última já era muito moderna - um macacão verde, um gorro verde também, umas al-star liláses....brincos e um anel ( para quem não sabe, o aparecimento dos anéis nas Barbies foi uma emoção! Um buraquinho da mão e lá estava ele - pequeno, brilhante, tão real...). E lá estão elas na cave, ao pé dos nenucos. E os psicólogos poderiam explicar porquê. Mas eu não quero.

E agora, quando vou aos hipermercados, lá faço um esforço para ir buscar o leite sozinha e fazer um desviozinho pela secção fuschia. Agora são todas....digamos...século XXI....roupas fátima lopes, acessórios da parfois, perfumes da cacharel, computadores portáteis, leitores de mp3, pílulas (provavelmente para oferecer à mãe...). Mas tenho de ver. Tenho mesmo de ver. Porque a Barbie, pirosa ou não, também evolui.... E basta olhar para as meninas e meninos de hoje para imaginarmos o que eles diriam se fossem à minha cave e vissem as minhas Barbies (avós das deles) e os seus vestidos e sofás de casca de côco...

Bem...eu sei que a Barbie, no fundo é horrível. Não há nada mais fútil e mais irreal. Porque a Barbie é, no fundo uma espécie de Porno Star....tudo em cor de rosa, tudo um grande filme, tudo profissões e títulos humanitários só para o Ken ver... ela é veterinária, ela é cozinheira, ela é nadadora, ela é estilista, ela é astronauta, ela é professora, tutora.... Mas a Barbie é fundamente, continuo a defender!

E só para terminar, e para me convencer do ridículo disto tudo, andei a passear pelo site da Barbie (....mas eu estou bem!!!...). E encontrei a Barbie Portugal. Meus amigos, isto é verídico!! É a barbie de uma princesa/raínha, que isto da contextualização histórico-cultural sempre lixou um bocado a Matel, com a seguinte descrição:

"Onde vivi: num castelo, no topo de um penhasco, à beira mar (plantada, supomos nós).

(...)

Comida preferida (eu juro que não estou a gozar!): pescada grelhada, caldo verde- uma sopa de couve e chouriço. (então e o vinho verde??)

Vivi na época dos grandes descobrimentos, cientistas e pensadores...."

E páro por aqui... que só o facto de imaginar a barbie a comer caldo verde e a chupar o chouriço no fundo do prato, enaqunto esperava os navegadores e os grandes pensadores, já é demais para a minha cabeça....eu quero o meu imaginário infantil intacto nas suas plumas e folhos cor-de-rosa. E quem manda nas minhas brincadeiras sou eu, tal como nas minhas bonecas e no meu blog!

E, sim, prometo nunca mais falar nisto.

2 comentários:

castor disse...

acho que também há uma barbie que ensina a fazer broches. no site brasileiro, creio.

Jessica e André disse...

Dos momentos mais dramáticos da minha primeira infância, foi ver a minha melhor amiga abrir uma barbie diamante em frente aos meus olhos e eu não...

Foi um entrecruzar de olhares culpados entre os pais, foram silêncios embaraçosos...

Creio que a nossa relação nunca mais foi a mesma depois disso.

E o "universo barbie" do nosso imaginário, tal como o diz a sangria, era mais do que futilidade "fuschia"; era as cidades feitas de almofadas do sofá da sala, as paixões, as histórias, os enigmas, os policiais, os romances - um fervilhar de imaginação.